Brasília, 7 a 11 de setembro de 2015 - Nº 798.
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental - 6
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental - 7
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental - 8
Repercussão Geral
Porte de droga para consumo pessoal e criminalização - 4
Porte de droga para consumo pessoal e criminalização - 5
Porte de droga para consumo pessoal e criminalização - 6
Porte de droga para consumo pessoal e criminalização - 7
1ª Turma
Procedimento investigatório criminal e arquivamento
2ª Turma
TCU: tomada de contas e nulidade
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Extradição e falsidade de registro civil de nascimento (Ext. 1.393/DF)
Inovações Legislativas
PLENÁRIO
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental - 6
O Plenário concluiu o julgamento de medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental em que discutida a configuração do chamado “estado de coisas inconstitucional” relativamente ao sistema penitenciário brasileiro. Nessa mesma ação também se debate a adoção de providências estruturais com objetivo de sanar as lesões a preceitos fundamentais sofridas pelos presos em decorrência de ações e omissões dos Poderes da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal. No caso, alegava-se estar configurado o denominado, pela Corte Constitucional da Colômbia, “estado de coisas inconstitucional”, diante da seguinte situação: violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades. Postulava-se o deferimento de liminar para que fosse determinado aos juízes e tribunais: a) que lançassem, em casos de decretação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não se aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no art. 319 do CPP; b) que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizassem, em até 90 dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contadas do momento da prisão; c) que considerassem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; d) que estabelecessem, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo; e) que viessem a abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando reveladas as condições de cumprimento da pena mais severas do que as previstas na ordem jurídica em razão do quadro do sistema carcerário, preservando-se, assim, a proporcionalidade da sanção; e f) que se abatesse da pena o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de forma a compensar o ilícito estatal. Requeria-se, finalmente, que fosse determinado: g) ao CNJ que coordenasse mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em curso no País, que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”; e h) à União que liberasse as verbas do Fundo Penitenciário Nacional – Funpen, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos — v. Informativos 796 e 797.
ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.9.2015. (ADPF-347)
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental - 7
O Colegiado deliberou, por decisão majoritária, deferir a medida cautelar em relação ao item “b”. A Ministra Rosa Weber acompanhou essa orientação, com a ressalva de que fossem observados os prazos fixados pelo CNJ. Vencidos, em parte, os Ministros Roberto Barroso e Teori Zavascki, que delegavam ao CNJ a regulamentação sobre o prazo para se realizar as audiências de custódia. O Tribunal decidiu, também por maioria, deferir a cautelar no tocante à alínea “h”. Vencidos, em parte, os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que fixavam o prazo de até 60 dias, a contar da publicação da decisão, para que a União procedesse à adequação para o cumprimento do que determinado. O Plenário, também por maioria, indeferiu a medida cautelar em relação às alíneas “a”, “c” e “d”. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator), Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski (Presidente), que a deferiam nessa parte. De igual modo indeferiu, por decisão majoritária, a medida acauteladora em relação à alínea “e”. Vencido o Ministro Gilmar Mendes. O Tribunal, ademais, rejeitou o pedido no tocante ao item “f”. Por fim, no que se refere à alínea “g”, o Plenário, por maioria, julgou o pleito prejudicado. Vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que deferiam a cautelar no ponto. Por fim, o Colegiado, por maioria, acolheu proposta formulada pelo Ministro Roberto Barroso, no sentido de que se determine à União e aos Estados-Membros, especificamente ao Estado de São Paulo, que encaminhem à Corte informações sobre a situação prisional. Vencidos, quanto à proposta, os Ministros relator, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Presidente.
ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.9.2015. (ADPF-347)
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental - 8
O Plenário anotou que no sistema prisional brasileiro ocorreria violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios converter-se-iam em penas cruéis e desumanas. Nesse contexto, diversos dispositivos constitucionais (artigos 1º, III, 5º, III, XLVII, e, XLVIII, XLIX, LXXIV, e 6º), normas internacionais reconhecedoras dos direitos dos presos (o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais como a LEP e a LC 79/1994, que criara o Funpen, teriam sido transgredidas. Em relação ao Funpen, os recursos estariam sendo contingenciados pela União, o que impediria a formulação de novas políticas públicas ou a melhoria das existentes e contribuiria para o agravamento do quadro. Destacou que a forte violação dos direitos fundamentais dos presos repercutiria além das respectivas situações subjetivas e produziria mais violência contra a própria sociedade. Os cárceres brasileiros, além de não servirem à ressocialização dos presos, fomentariam o aumento da criminalidade, pois transformariam pequenos delinquentes em “monstros do crime”. A prova da ineficiência do sistema como política de segurança pública estaria nas altas taxas de reincidência. E o reincidente passaria a cometer crimes ainda mais graves. Consignou que a situação seria assustadora: dentro dos presídios, violações sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da criminalidade e da insegurança social. Registrou que a responsabilidade por essa situação não poderia ser atribuída a um único e exclusivo poder, mas aos três — Legislativo, Executivo e Judiciário —, e não só os da União, como também os dos Estados-Membros e do Distrito Federal. Ponderou que haveria problemas tanto de formulação e implementação de políticas públicas, quanto de interpretação e aplicação da lei penal. Além disso, faltaria coordenação institucional. A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representaria falha estrutural a gerar tanto a ofensa reiterada dos direitos, quanto a perpetuação e o agravamento da situação. O Poder Judiciário também seria responsável, já que aproximadamente 41% dos presos estariam sob custódia provisória e pesquisas demonstrariam que, quando julgados, a maioria alcançaria a absolvição ou a condenação a penas alternativas. Ademais, a manutenção de elevado número de presos para além do tempo de pena fixado evidenciaria a inadequada assistência judiciária. A violação de direitos fundamentais alcançaria a transgressão à dignidade da pessoa humana e ao próprio mínimo existencial e justificaria a atuação mais assertiva do STF. Assim, caberia à Corte o papel de retirar os demais poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados. A intervenção judicial seria reclamada ante a incapacidade demonstrada pelas instituições legislativas e administrativas. Todavia, não se autorizaria o STF a substituir-se ao Legislativo e ao Executivo na consecução de tarefas próprias. O Tribunal deveria superar bloqueios políticos e institucionais sem afastar esses poderes dos processos de formulação e implementação das soluções necessárias. Deveria agir em diálogo com os outros poderes e com a sociedade. Não lhe incumbira, no entanto, definir o conteúdo próprio dessas políticas, os detalhes dos meios a serem empregados. Em vez de desprezar as capacidades institucionais dos outros poderes, deveria coordená-las, a fim de afastar o estado de inércia e deficiência estatal permanente. Não se trataria de substituição aos demais poderes, e sim de oferecimento de incentivos, parâmetros e objetivos indispensáveis à atuação de cada qual, deixando-lhes o estabelecimento das minúcias para se alcançar o equilíbrio entre respostas efetivas às violações de direitos e as limitações institucionais reveladas. O Tribunal, no que se refere às alíneas “a”, “c” e “d”, ponderou se tratar de pedidos que traduziriam mandamentos legais já impostos aos juízes. As medidas poderiam ser positivas como reforço ou incentivo, mas, no caso da alínea “a”, por exemplo, a inserção desse capítulo nas decisões representaria medida genérica e não necessariamente capaz de permitir a análise do caso concreto. Como resultado, aumentaria o número de reclamações dirigidas ao STF. Seria mais recomendável atuar na formação do magistrado, para reduzir a cultura do encarceramento. No tocante à cautelar de ofício proposta pelo Ministro Roberto Barroso, o Colegiado frisou que o Estado de São Paulo, apesar de conter o maior número de presos atualmente, não teria fornecido informações a respeito da situação carcerária na unidade federada. De toda forma, seria imprescindível um panorama nacional sobre o assunto, para que a Corte tivesse elementos para construir uma solução para o problema.
ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.9.2015. (ADPF-347)
REPERCUSSÃO GERAL
Porte de droga para consumo pessoal e criminalização - 4
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica a conduta de porte de droga para consumo pessoal — v. Informativo 795. Em voto-vista, o Ministro Edson Fachin deu parcial provimento ao recurso para: a) declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, sem redução de texto, especificamente para situação que, como no caso concreto, apresentasse conduta que, descrita no tipo legal, tivesse exclusivamente como objeto material a maconha; b) manter, nos termos da atual legislação e seu regulamento, a proibição, inclusive do uso e do porte para consumo pessoal, de todas as demais drogas ilícitas; c) manter a tipificação criminal das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do recurso e, concomitantemente, declarar a inconstitucionalidade progressiva dessa tipificação, ou seja, das condutas relacionadas à produção e à comercialização de maconha, até que sobreviesse a devida regulamentação legislativa, permanecendo, nesse ínterim, hígidas as tipificações constantes do Título IV, especialmente criminais, do art. 33, e dispositivos conexos da lei em questão; d) declarar como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que servissem de parâmetro para diferenciar usuário e traficante, e determinar aos órgãos do Poder Executivo — Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas - SENAD e Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP —, aos quais incumbe a elaboração e a execução de políticas públicas sobre drogas, que exercessem suas competências e, até que sobreviesse a legislação específica, emitissem, no prazo máximo de 90 dias, a contar da data do julgamento em comento, provisórios parâmetros diferenciadores indicativos para serem considerados, “iuris tantum”, na situação dos autos; e) absolver o recorrente por atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, III, do CPP; e, por fim, f) propor ao Plenário, nos termos do inciso V do art. 7° do RISTF, a criação de um Observatório Judicial sobre Drogas na forma de comissão temporária, a ser designada pelo Presidente do STF, para o fim de, à luz do inciso III do art. 30 do RISTF, acompanhar os efeitos da deliberação do Tribunal nesse caso, especialmente em relação à diferenciação entre usuário e traficante, e à necessária regulamentação, bem como auscultar instituições, estudiosos, pesquisadores, cientistas, médicos, psiquiatras, psicólogos, comunidades terapêuticas, representantes de órgãos governamentais, membros de comunidades tradicionais, entidades de todas as crenças, entre outros, e apresentar relato na forma de subsídio e sistematização. O Ministro ressaltou que o recurso extraordinário sob enfoque desafiaria acórdão que tratara de hipótese específica, a de porte de maconha para uso pessoal. A análise de um recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral possibilitaria ao STF extrapolar os limites do pedido formulado para firmar tese acerca de tema que, para além dos interesses subjetivos da demanda, fosse de inegável relevância jurídica, social, política ou econômica. Não obstante, quando se estivesse diante de um tema de natureza penal, seria prudente judiciosa auto-contenção da Corte, pois a atuação fora dos limites circunstanciais do caso poderia conduzir a intervenções judiciais desproporcionais, fosse sob o ponto de vista do regime das liberdades, fosse sob o ponto de vista da proteção social insuficiente.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015. (RE-635659)
Porte de droga para consumo pessoal e criminalização - 5
O Ministro Edson Fachin asseverou que, assim sendo, em virtude da complexidade inerente ao problema jurídico sob a análise do STF no recurso, seria necessária a estrita observância das balizas fáticas e jurídicas do caso concreto para a atuação da Corte em seara tão sensível: a definição sobre a constitucionalidade, ou não, da criminalização do porte unicamente de maconha para uso próprio em face de direitos fundamentais como a liberdade, autonomia e privacidade. Destacou, relativamente ao questionamento objeto do recurso, ser cabível a resposta da informação, educação, atenção e cuidado da saúde dos usuários de drogas, e não a criminalização. Seria indispensável, assim, a atuação do Poder Público, da sociedade, das famílias em sua dimensão expandida, das entidades religiosas e de benemerência, no incremento das redes de atenção e cuidado à saúde das pessoas que abusassem de substâncias que causassem dependência, e especialmente no campo da prevenção e proteção de crianças e adolescentes. A distinção entre usuário e traficante, entretanto, atravessaria a necessária diferenciação entre tráfico e uso, e exigiria, inevitavelmente, que se adotassem parâmetros objetivos de quantidade que caracterizassem o uso de droga. Não se inseriria na atribuição do Poder Judiciário, entretanto, a definição dessas balizas. Se o legislador já editara lei para tipificar como crime o tráfico de drogas, competiria ao Poder Legislativo o exercício de suas atribuições, no qual definisse, assim, os parâmetros objetivos de natureza e quantidade de droga que deveriam ser levados em conta para diferenciação entre uso e tráfico de drogas. Desse modo, seria responsabilidade, de um lado, do Poder Legislativo a fixação de tais parâmetros, e de outro, a respectiva regulamentação e execução por parte dos referidos órgãos do Poder Executivo. Até que isso se desse, e mesmo após, a adoção imperativa da audiência de apresentação em até 24 horas, poderia extirpar, perante o juiz, qualquer desvio prático no emprego desse critério, especialmente diante do tráfico. Enquanto não houvesse pronunciamento do Poder Legislativo sobre tais parâmetros, seria mandatório, portanto, reconhecer a necessidade do preenchimento dessa lacuna por meio do SENAD e do CNPCP, até que sobreviesse definição legislativa, que os regulamentassem, na condição “rebus sic stantibus”.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015. (RE-635659)
Porte de droga para consumo pessoal e criminalização - 6
O Ministro Roberto Barroso proveu o recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, relativamente ao porte de maconha para consumo próprio, e absolveu o recorrente. Porém, não analisou a controvérsia a respeito das demais drogas. Afirmou que o fracasso da política atual criara um imenso mercado negro de drogas controlado pelo crime organizado. Verificou que, nas últimas décadas, sobretudo depois edição da Lei de Tóxico, o consumo de drogas aumentara, ao passo que, no mesmo período de tempo, o de cigarro diminuíra. Observou que a contrapropaganda, o debate público, a informação e a advertência produziriam melhores resultados do que a criminalização. Notou que a política de criminalização e de repressão ao consumo de drogas em geral e de maconha, em particular, geraria um alto custo para a sociedade, especialmente pelo aumento exponencial da população carcerária. Além disso, o custo financeiro de cada vaga no sistema penitenciário seria muito caro. Salientou que os presos entrariam primários e sairiam cooptados por facções. Dessa forma, tornar-se-iam criminosos perigosos que voltariam para as ruas e retroalimentariam a violência. Ressaltou que, a despeito de a defesa da criminalização invocar a saúde pública como bem jurídico protegido, essa política consumiria cada vez mais recursos que, evidentemente, não iriam para tratamento, educação e saúde preventiva. Ademais, o usuário não procuraria o sistema de saúde pública, porque isso significaria assumir a condição de criminoso. Portanto, a criminalização não protegeria, mas antes comprometeria a saúde pública. Destacou que o direito à privacidade identificaria uma esfera na vida das pessoas que deveria ser imune à interferência do Estado, sobretudo quando o que se fizesse na intimidade não afetasse a esfera jurídica de terceiros. Por essa razão, o Estado não poderia invadir a esfera da autonomia individual. Assim, um indivíduo que fumasse um cigarro de maconha dentro do seu domicílio ou num espaço puramente privado não violaria direitos de terceiros, nem qualquer valor social, ou mesmo a saúde pública. Mas, se fumar maconha pudesse ser criminalizado em nome da saúde pública, então, se deveria criminalizar antes o álcool e o próprio cigarro convencional. Portanto, seria inequívoca a afronta à autonomia individual representada pela punição de quem portasse maconha para uso pessoal dentro da sua esfera privada.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015. (RE-635659)
Porte de droga para consumo pessoal e criminalização - 7
O Ministro Roberto Barroso asseverou que a criminalização não passaria no teste da proporcionalidade nas modalidades: adequação da restrição, necessidade da restrição e a chamada proporcionalidade em sentido estrito. A criminalização não conseguira produzir resultado quantitativamente relevante no consumo, sobretudo, porque causara impacto negativo à saúde pública. Consignou que seria necessária a adoção de critério objetivo para distinguir o consumo pessoal do tráfico. Explicou que essa prerrogativa seria do Poder Legislativo. Entretanto, seria possível ao STF o estabelecimento de critério, ainda que provisoriamente, até posterior atuação do Parlamento. Propôs que quem portasse até 25 g de maconha não fosse considerado traficante. Todavia, isso não impediria que o juiz do caso concreto reputasse que alguém com quantidade maior a estivesse portando para consumo pessoal, nem que alguém com 25 g a estivesse portando para tráfico. Mas, nessa situação, o juiz teria que superar essa presunção, e, portanto, o ônus argumentativo tornar-se-ia mais árduo para o magistrado. Também não seria considerado traficante quem tivesse até seis plantas fêmeas como produção para consumo pessoal. O Ministro Gilmar Mendes (relator), ao reafirmar o seu voto, declarou a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, de forma a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal. Todavia, manteve, até o advento da legislação específica, as medidas ali previstas com natureza administrativa. Em seguida, pediu vista o Ministro Teori Zavascki.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015. (RE-635659)
PRIMEIRA TURMA
Procedimento investigatório criminal e arquivamento
A Primeira Turma deu provimento a recurso ordinário em mandado de segurança que impugnava ato de juiz-auditor militar que, com base em portaria da própria auditoria, deixara de receber, distribuir e apreciar pedido de arquivamento de procedimento investigatório criminal instaurado por procuradoria de justiça militar. O Colegiado assentou a ilegalidade do ato impugnado, porquanto respaldado em portaria elaborada em afronta ao que disposto no art. 397 do CPPM (“Art. 397. Se o procurador, sem prejuízo da diligência a que se refere o art. 26, n° I, entender que os autos do inquérito ou as peças de informação não ministram os elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia, requererá ao auditor que os mande arquivar. Se este concordar com o pedido, determinará o arquivamento; se dele discordar, remeterá os autos ao procurador-geral. 1º Se o procurador-geral entender que há elementos para a ação penal, designará outro procurador, a fim de promovê-la; em caso contrário, mandará arquivar o processo. 2º A mesma designação poderá fazer, avocando o processo, sempre que tiver conhecimento de que, existindo em determinado caso elementos para a ação penal, esta não foi promovida”). Haveria, portanto, evidente conflito entre normas de diferente hierarquia, a revelar necessária observância do direito instrumental militar. Outrossim, descaberia discutir a natureza do procedimento administrativo que se pretendia, no caso, ver apreciado, isso porque, a despeito da denominação utilizada, aquele fizera-se composto por peças de informação, circunstância suficiente para atrair a observância do referido dispositivo legal. Assim, competiria ao juiz-auditor a adoção de duas possíveis condutas: anuir com o arquivamento proposto ou, discordando da fundamentação apresentada, remeter o processo ao procurador-geral. A recusa em dar andamento ao pleito de trancamento consagraria inaceitável abandono do controle jurisdicional a ser exercido no tocante ao princípio da obrigatoriedade da ação penal. Ademais, não se poderia admitir que argumentos pragmáticos, como aqueles ligados ao volume de trabalho da Justiça Militar, afastassem o devido processo legal.
RMS 28428/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 8.9.2015. (RMS-28428)
SEGUNDA TURMA
TCU: tomada de contas e nulidade
A Segunda Turma desproveu agravo regimental interposto de decisão que negara seguimento a mandado de segurança impetrado contra ato do TCU, o qual determinara a devolução de valores indevidamente recebidos pelo impetrante a título de auxílio moradia, além de impor multa. No caso, o agravante alegava que o acórdão do TCU e a decisão agravada teriam partido de premissa equivocada no que diz respeito ao recebimento do auxílio moradia, pois não haveria norma que vedasse o recebimento da vantagem por quem possuísse imóvel próprio no local de lotação. Sustentava, ainda, indevido aproveitamento, pelo ato impetrado, do processo administrativo disciplinar anulado pelo STJ, bem como o recebimento de citação por pessoa estranha, já que entregue carta registrada em endereço no qual não mais residiria. A Turma afirmou que ficara demonstrada a entrega de carta registrada no endereço que o próprio impetrante fizera constar no cadastro da Receita Federal do Brasil e na petição inicial do aludido mandado de segurança ajuizado no STJ. Portanto, não se poderia falar em nulidade na citação no processo de tomada de contas especial. Ademais, tendo em vista a independência das atribuições do TCU e da autoridade responsável pelo processo administrativo disciplinar, não haveria ilegalidade na condenação do impetrante a ressarcir o erário e pagar multa em decorrência de procedimento instaurado de forma independente, por conta de notícias publicadas na imprensa acerca de possíveis danos aos cofres públicos causados pelo impetrante.
MS 27427 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 8.9.2015. (MS-27427)
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Pleno |
9.9.2015 |
10.9.2015 |
2 |
1ª Turma |
8.9.2015 |
— |
192 |
2ª Turma |
8.9.2015 |
— |
128 |
R E P E R C U S S Ã O G E R A L
DJe de 7 a 11 de setembro de 2015
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 898.450-SP
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. REQUISITOS. IMPEDIMENTO DO PROVIMENTO DE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA DECORRENTE DA EXISTÊNCIA DE TATUAGEM NO CORPO DO CANDIDATO. AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA ESTATAL DE QUE A TATUAGEM ESTEJA DENTRO DE DETERMINADOS PARÂMETROS. ARTS. 5º, I E 37, I E II DA CRFB/88. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
Decisões Publicadas: 1
7 a 11 de setembro de 2015
RE N. 593.727-MG
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES
Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Constitucional. Separação dos poderes. Penal e processual penal. Poderes de investigação do Ministério Público. 2. Questão de ordem arguida pelo réu, ora recorrente. Adiamento do julgamento para colheita de parecer do Procurador-Geral da República. Substituição do parecer por sustentação oral, com a concordância do Ministério Público. Indeferimento. Maioria. 3. Questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da República. Possibilidade de o Ministério Público de estado-membro promover sustentação oral no Supremo. O Procurador-Geral da República não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição constitucional (art. 128, § 1º), a Chefia do Ministério Público da União. O Ministério Público de estado-membro não está vinculado, nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante o Supremo Tribunal Federal, em recursos e processos nos quais o próprio Ministério Público estadual seja um dos sujeitos da relação processual. Questão de ordem resolvida no sentido de assegurar ao Ministério Público estadual a prerrogativa de sustentar suas razões da tribuna. Maioria. 4. Questão constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”. Maioria. 5. Caso concreto. Crime de responsabilidade de prefeito. Deixar de cumprir ordem judicial (art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei nº 201/67). Procedimento instaurado pelo Ministério Público a partir de documentos oriundos de autos de processo judicial e de precatório, para colher informações do próprio suspeito, eventualmente hábeis a justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado provimento ao recurso extraordinário. Maioria.
*noticiado no Informativo 785
RE N. 730.462-SP
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE PRECEITO NORMATIVO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFICÁCIA NORMATIVA E EFICÁCIA EXECUTIVA DA DECISÃO: DISTINÇÕES. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS AUTOMÁTICOS SOBRE AS SENTENÇAS JUDICIAIS ANTERIORMENTE PROFERIDAS EM SENTIDO CONTRÁRIO. INDISPENSABILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO OU PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA PARA SUA REFORMA OU DESFAZIMENTO.
1. A sentença do Supremo Tribunal Federal que afirma a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo gera, no plano do ordenamento jurídico, a consequência (= eficácia normativa) de manter ou excluir a referida norma do sistema de direito.
2. Dessa sentença decorre também o efeito vinculante, consistente em atribuir ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes atos administrativos ou judiciais (= eficácia executiva ou instrumental), que, para viabilizar-se, tem como instrumento próprio, embora não único, o da reclamação prevista no art. 102, I, “l”, da Carta Constitucional.
3. A eficácia executiva, por decorrer da sentença (e não da vigência da norma examinada), tem como termo inicial a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional.
4. Afirma-se, portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado.
5. No caso, mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é insuscetível de rescisão.
6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
*noticiado no Informativo 787
RE N. 795.567-PR
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: CONSTITUCIONAL E PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. CUMPRIMENTO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITO. POSTERIOR DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE CONFISCO DO BEM APREENDIDO COM BASE NO ART. 91, II, DO CÓDIGO PENAL. AFRONTA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL CARACTERIZADA.
1. Tese: os efeitos jurídicos previstos no art. 91 do Código Penal são decorrentes de sentença penal condenatória. Tal não se verifica, portanto, quando há transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95), cuja sentença tem natureza homologatória, sem qualquer juízo sobre a responsabilidade criminal do aceitante. As consequências da homologação da transação são aquelas estipuladas de modo consensual no termo de acordo.
2. Solução do caso: tendo havido transação penal e sendo extinta a punibilidade, ante o cumprimento das cláusulas nela estabelecidas, é ilegítimo o ato judicial que decreta o confisco do bem (motocicleta) que teria sido utilizado na prática delituosa. O confisco constituiria efeito penal muito mais gravoso ao aceitante do que os encargos que assumiu na transação penal celebrada (fornecimento de cinco cestas de alimentos).
3. Recurso extraordinário a que se dá provimento.
*noticiado no Informativo 787
AG. REG. NO ARE N. 868.922-SP
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Embargos declaratórios opostos na origem rejeitados monocraticamente pelo relator. Ausência de interposição do recurso cabível. Não esgotamento das instâncias ordinárias. Súmula nº 281/STF. Prequestionamento. Ausência. Dano moral. Fixação do valor inicial em múltiplo do salário-mínimo. Violação da parte final do art. 7º, inciso IV, da CF. Não ocorrência. Quantum indenizatório. Discussão. Ausência de repercussão geral. Precedentes.
1. O recurso extraordinário é inadmissível quando interposto após decisão monocrática proferida pelo relator, haja vista que não esgotada a prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula nº 281/STF.
2. Não se admite o recurso extraordinário quando os dispositivos constitucionais indicados como violados carecem do necessário prequestionamento. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF.
3. É legítima a utilização do salário mínimo quando se tiver por finalidade apenas a expressão do valor inicial da indenização.
4. O Plenário da Corte, no exame do ARE nº 743.771/SP, Relator o Ministro Gilmar Mendes, concluiu pela ausência de repercussão geral do tema relativo à “modificação do valor fixado a título de indenização por danos morais”, dado o caráter infraconstitucional da matéria.
5. Agravo regimental não provido.
*noticiado no Informativo 788
RHC N. 126.917-SP
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE ESTELIONATO. ART. 171, CAPUT, DO CP. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO RESSARCIMENTO DA VÍTIMA. APLICAÇÃO DA REGRA ESPECIAL DO § 2º DO ART. 9º DA LEI 10.684/2003. IMPOSSIBILIDADE.
1. Por se tratar de norma especial, dirigida a determinadas infrações de natureza tributária, a causa especial de extinção de punibilidade prevista no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/2003 (pagamento integral do crédito tributário) não se aplica ao delito de estelionato do caput do art. 171 do Código Penal. Precedentes.
2. Recurso ordinário a que se nega provimento.
*noticiado no Informativo 796
HC N. 125.101-SP
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Habeas corpus. Processual Penal Militar. Tentativa de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II). Arquivamento de Inquérito Policial Militar, a requerimento do Parquet Militar. Conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal. Excludente de ilicitude (CPM, art. 42, inciso III). Não configuração de coisa julgada material. Entendimento jurisprudencial da Corte. Surgimento de novos elementos de prova. Reabertura do inquérito na Justiça comum, a qual culmina na condenação do paciente e de corréu pelo Tribunal do Júri. Possibilidade. Enunciado da Súmula nº 524/STF. Ordem denegada.
1. O arquivamento de inquérito, a pedido do Ministério Público, em virtude da prática de conduta acobertada pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (CPM, art. 42, inciso III), não obsta seu desarquivamento no surgimento de novas provas (Súmula nº 5241/STF). Precedente.
2. Inexistência de impedimento legal para a reabertura do inquérito na seara comum contra o paciente e o corréu, uma vez que subsidiada pelo surgimento de novos elementos de prova, não havendo que se falar, portanto, em invalidade da condenação perpetrada pelo Tribunal do Júri.
3. Ordem denegada.
*noticiado no Informativo 796
HC N. 128.921-RJ
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Habeas corpus. 2. Código de Trânsito Brasileiro. Direção sem habilitação, art. 309; e, lesão corporal, art. 303. 3. Incidência do princípio da consunção. O crime de dirigir sem habilitação é absorvido pelo delito de lesão corporal 4. Precedentes de ambas as turmas. 5. Falta de representação da vítima 6. Ordem concedida para restabelecer a decisão de primeiro grau, que rejeitou a denúncia.
*noticiado no Informativo 796
Acórdãos Publicados: 300
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Extradição e falsidade de registro civil de nascimento (Transcrições)
(v. Informativo 796)
Ext. 1.393/DF*
RELATOR: Ministro Dias Toffoli
EMENTA: Extradição instrutória. Governo do Paraguai. Nacionalidade do extraditando. Registros civis brasileiro e paraguaio atestando seu nascimento, na mesma data, em ambos os países. Impossibilidade lógica de sua coexistência. Cancelamento do registro civil brasileiro, em razão de sua falsidade. Antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional em ação anulatória de registro promovida pelo Ministério Público. Presunção de veracidade do ato registrário brasileiro afastada (art. 1.604 do Código Civil). Provisoriedade da decisão. Irrelevância, uma vez que continua a projetar seus efeitos. Existência de prova robusta, nos autos da extradição, de que o extraditando efetivamente nasceu em solo paraguaio. Assento de nascimento lavrado no Paraguai 10 (dez) anos antes do registro civil tardio do extraditando no Brasil. Extraditando que foi vereador e prefeito no Paraguai, onde gozou, em sua plenitude, da sua condição de paraguaio nato. Vedação do art. 5º, LI, da Constituição Federal não caracterizada. Ausência de óbice ao exame de mérito da extradição. Pedido instruído com os documentos necessários a sua análise. Atendimento aos requisitos da Lei nº 6.815/80 e do Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul. Homicídios qualificados (art. 105 do Código Penal do Paraguai e art. 121, § 2º, IV, do Código Penal Brasileiro). Dupla tipicidade. Reconhecimento. Prescrição. Não ocorrência, tanto sob a óptica da legislação alienígena quanto sob a óptica da legislação brasileira. Reexame de fatos subjacentes à investigação. Impossibilidade. Sistema de contenciosidade limitada. Precedentes. Crime político não configurado. Precedentes. Existência de filhos brasileiros. Irrelevância. Súmula nº 421 do Supremo Tribunal Federal. Compatibilidade com a Constituição Federal. Precedentes. Pedido deferido. Detração do tempo de prisão a que o extraditando tiver sido submetido no Brasil (art. 91, II, da Lei nº 6.815/80).
1. Como o extraditando foi registrado civilmente no Paraguai e no Brasil e esses registros apontam que ele nasceu na mesma data em ambos os países, a impossibilidade lógica de sua coexistência é manifesta.
2. Nos termos do art. 1.604 do Código Civil, “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.
3. O assento de nascimento brasileiro do extraditando foi cancelado por decisão da Justiça Comum Estadual, que, antecipando os efeitos da tutela jurisdicional em ação anulatória de registro civil promovida pelo Ministério Público, reconheceu sua falsidade.
4. Afastada a presunção juris tantum de veracidade do ato registrário brasileiro, por decisão que, embora provisória, continua a projetar os seus efeitos, não há óbice ao exame de mérito da extradição.
5. Embora o extraditando tenha sido registrado civilmente no Paraguai e no Brasil, o assento de nascimento paraguaio foi lavrado 10 (dez) anos antes do brasileiro, o qual foi promovido, sintomaticamente, em conjunto com o registro tardio de seus irmãos, também previamente registrados no Paraguai, circunstâncias que, em reforço à decisão judicial que determinou o cancelamento do registro brasileiro, militam em favor da presunção de veracidade do primeiro registro realizado no Paraguai.
6. Todos esses fatos, somados à prova robusta produzida nos autos da extradição de que o extraditando nasceu em solo paraguaio e sempre gozou, em sua plenitude, da sua condição de paraguaio nato, tendo sido vereador e prefeito no Paraguai, afastam a vedação do art. 5º, LI, da Constituição Federal.
7. O pedido formulado pelo Governo do Paraguai, com base no Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul, atende aos pressupostos necessários a seu deferimento, nos termos da Lei nº 6.815/80.
8. Os fatos delituosos imputados ao extraditando correspondem, no Brasil, ao crime de homicídio qualificado, previsto no art. 121, § 2º, IV, do Código Penal, satisfazendo, assim, ao requisito da dupla tipicidade previsto no art. 77, II, da Lei nº 6.815/80.
9. Não ocorre a prescrição da pretensão punitiva, consoante os textos legais apresentados pelo Estado requerente e a legislação penal brasileira (art. 109, I, do Código Penal).
10. O pedido foi instruído com os documentos necessários a sua análise, trazendo indicações seguras a respeito da identidade do extraditando, do local, da data, da natureza, das circunstâncias e da qualificação legal dos fatos delituosos. Está, portanto, em perfeita consonância com as regras do art. 18 do Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul e do art. 80, caput, da Lei nº 6.815/80.
11. Os crimes imputados ao extraditando (homicídios qualificados de um jornalista e de sua assistente, mediante recurso que impossibilitou sua defesa), são despidos de natureza política e se inserem na criminalidade comum. Precedentes.
12. É irrelevante, para fins de extradição, o fato de o extraditando ter filhos brasileiros, nos termos da Súmula nº 421 do Supremo Tribunal Federal, que é compatível com a Constituição Federal. Precedentes.
13. De acordo com o art. 91, II, da Lei nº 6.815/80, o Governo do Paraguai deverá assegurar a detração do tempo em que o extraditando permanecer preso no Brasil por força do pedido formulado.
14. Extradição deferida.
RELATÓRIO: Trata-se de extradição instrutória, encaminhada pelo Ministro de Estado da Justiça e requerida, por via diplomática, pelo Governo do Paraguai, com base no Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul, promulgado pelo Decreto nº 4.975, de 30 de janeiro de 2004, em que se pede a extradição do nacional paraguaio **.
Colhe-se da Nota Verbal nº 3/055/2015 que o extraditando está sendo processado naquele país por suposta participação em dois crimes de homicídio doloso executados em 16.10.14 contra as vítimas ** e **, no Departamento de Canindeyú, República do Paraguai.
Por meio da Resolução Fiscal nº 55, de 18.10.14, o Ministério Público do Paraguai ordenou a detenção preventiva do extraditando e solicitou ao Juizado Penal de Garantias de Curuguaty, Departamento de Canindeyú, a declaração de revelia e a sua detenção, por homicídio doloso (art. 105, parágrafos 1º e 2º, incisos 2 e 4, do Código Penal Paraguaio), “em conformidade com a ata de imputação nº 55, do dia 29 de outubro do ano 2014” (fl. 212).
Em 30.10.14, o Juizado Penal de Garantias de Curuguaty, nos autos da “causa nº 1.527/2014”, declarou a revelia do extraditando e ordenou sua captura, com fundamento no art. 82 do Código de Processo Penal Paraguaio (fls. 215/218). Posteriormente, em 6.11.14, o mesmo Juizado expediu ordem de captura internacional do extraditando (fl. 224).
Em 6.3.15, nos autos da PPE nº 741, decretei a prisão preventiva do extraditando, por entender preenchidos os requisitos previstos no Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul e, nessa mesma data, a Polícia Federal cumpriu o respectivo mandado de prisão.
Em 9.3.15, nos termos do art. 21-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, deleguei competência ao Magistrado Instrutor Rodrigo Capez, convocado para atuar em meu Gabinete, para interrogar o extraditando.
Em 8.5.15, o extraditando foi interrogado (fls. 345/347) e apresentou sua defesa (fls. 375/392), instruindo-a com documentos (fls. 396/530). Sustenta o extraditando, em síntese, sua condição de brasileiro nato, por ter nascido no município de Paranhos, Estado do Mato Grosso do Sul, em cujo Serviço de Registro Civil foi tardiamente registrado em 5.12.88, por ordem judicial, assim como o foram cinco de seus irmãos.
Aduz, em sua defesa, para comprovar sua nacionalidade brasileira, que seus pais se casaram em 7.3.67 no município de Caarapó/MS e, em 12.11.81, registraram seu irmão ** no Serviço de Registro Civil de Paranhos. Acrescenta que seus próprios filhos,** ** e **, nascidos no município de Paranhos em, respectivamente, 1º.1º.05 e em 25.11.97, também são brasileiros natos.
A seu ver, o fato de seus pais, seus filhos e seus irmãos terem sido registrados no Brasil e possuírem documentos relacionados a sua condição de brasileiros (título de eleitor, CPF, cartão nacional de saúde), bem como o fato de ser proprietário de uma motocicleta registrada no Brasil, comprovariam ser ele brasileiro, tanto mais que sua cédula de identidade foi expedida em 20.6.2000 pela Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, ao passo que sua cédula de identificação paraguaia foi expedida, posteriormente, em 19.12.03.
Alega, ainda, a falsidade de seu registro civil no Paraguai, aduzindo que ele próprio mandou falsificá-lo e o utilizou para eleger-se vereador e prefeito da cidade paraguaia de Ypejhu. Insurge-se, ainda, contra as certidões supostamente comprobatórias de seu nascimento no Paraguai, apresentadas pelo Estado Requerente.
Ante o exposto, requer o indeferimento do pedido de extradição.
O Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, opinou pelo deferimento do pedido de extradição (fls. 534/579).
Assevera Sua Excelência, em seu parecer, que todas as provas indicam que o extraditando é nacional paraguaio e que seu assento de nascimento no Registro Civil de Paranhos/MS, por ser ideologicamente falso, foi cancelado por decisão do juízo da Vara Única da Comarca de Sete Quedas/MS, que antecipou os efeitos da tutela jurisdicional em ação anulatória de registro civil proposta pelo Ministério Público, o que afasta a presunção de sua veracidade.
Considerando-se que a Procuradoria-Geral da República, em seu parecer, juntou novos documentos, determinei à defesa que sobre eles se manifestasse no prazo de 3 (três) dias.
O extraditando se manifestou por intermédio da petição nº 32.050/15 – STF, reiterando sua condição de brasileiro nato, nos termos do art. 12, I, da Constituição Federal, por haver nascido no Brasil, mais precisamente no domicílio de **, conforme depoimento por si prestado, na condição de testemunha, perante o juízo da Vara de Sete Quedas, nos autos da ação anulatória de registro civil. Requer, outrossim, seja requisitada ao referido juízo cópia da gravação dessa audiência (fls. 573/580).
Por intermédio da petição nº 36.439/15, a Procuradoria-Geral da República, informou que “novos documentos, obtidos após o parecer oferecido nessa extradição tornam inequívoca a falsidade do registro brasileiro”, esclarecendo que, por determinação do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, foi expedido ofício ao Hospital Municipal de Paranhos/MS para que informasse se a genitora do extraditando nele teria sido atendida nos anos de 1974, 1975 e 1976, sendo que a resposta foi negativa. Por fim, com relação ao extraditando, o mesmo hospital informou haver o registro de seu atendimento apenas em 29.2.08.
À vista dessa petição e dos novos documentos que a instruíram, determinei que a defesa sobre eles se manifestasse em 3 (três) dias.
A Secretaria Judiciária certificou o decurso, in albis, do prazo assinalado à defesa.
Por intermédio da petição nº 41.454/15 – STF, a defesa do extraditando alegou ter sido errônea a intimação do advogado **, OAB/MS nº **, para se manifestar sobre os novos documentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República, ao fundamento de que referido advogado substabeleceu seus poderes ao advogado , OAB/MT nº **.
Requereu, ainda, fosse realizada nova intimação, na pessoa desse último, para a manifestação em questão (fls. 639/641).
Esse pedido foi por mim indeferido, pelos seguintes fundamentos:
“Conforme se observa do instrumento de fl. 346, o advogado **, OAB/MS nº ** substabeleceu, com reserva de iguais poderes, o mandato ao advogado **, OAB/MT nº **.
Válida, portanto, a intimação feita em nome do primeiro advogado.
Como já tive a oportunidade de assentar, realizada a intimação em nome de advogado constituído pelo réu, que teria outorgado substabelecimento, com reserva de poderes, a outro defensor,
‘(...) inegável a jurisprudência da Corte no sentido de que, ‘quando a parte tem mais de um advogado, basta que a intimação seja realizada em nome de um deles. Se o advogado, ao outorgar o substabelecimento com reserva de poderes, não o faz para o substabelecido acompanhar especificamente a tramitação do processo na superior instância e nem, tampouco, requer que o nome dele figure nas publicações, inclusive para efeito de intimação, pertinentes ao julgamento da causa, reputa-se inocorrente a invalidade da intimação’ (HC nº 79.592/MT, Primeira Turma, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 12.5.2000). No mesmo sentido o MS nº 21.209/DF-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 3/12/04’ (RHC 118.132/SP, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 29.11.13).
Ademais, ‘nos termos da orientação firmada nesta Corte, é válida a intimação realizada em nome de um dos advogados constituídos pela parte, sendo desnecessária a intimação de todos eles’ (AI nº 726.743/MG-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 5.4.11).
Registro que, no substabelecimento, além da reserva de iguais poderes, não se ressalvou que as intimações deveriam ser feitas exclusivamente na pessoa do advogado substabelecido, o que afasta a pretendida nulidade da intimação.
No mesmo sentido, destaco trecho do voto condutor do HC nº 114.846/SP-ED, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 19.12.14):
‘Conclui-se, portanto, que no substabelecimento não foi mencionado que as intimações deveriam ser exclusivamente no nome do impetrante e, assim, poderia haver intimação no nome de qualquer advogado constituído. Nessa linha é jurisprudência desta Corte que considera ‘válida a intimação das decisões que inadmitiram os recursos extraordinário e especial interpostos pela defesa em nome de um dos advogados constituídos pela Paciente, uma vez que, pelos documentos dos autos, não há pedido expresso para intimação exclusiva no nome do Impetrante’ (HC 102.575. Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia)’.
Registro, por fim, que a defesa do extraditando, por intermédio da petição nº 41.455/15-STF, subscrita pelo advogado substabelecido, efetivamente se manifestou sobre os novos documentos juntados pelo Ministério Público Federal, o que torna prejudicado o pedido de renovação do prazo para essa finalidade” (grifei).
A defesa do extraditando, por intermédio da referida petição nº 41.455/15-STF, após se manifestar sobre os documentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República, reiterou o pleito de indeferimento do pedido extradicional, aduzindo que, além de ser brasileiro nato pelo critério do jus solis, por ter nascido em território brasileiro (art. 12, I, a, CF), também o seria pelo critério do jus sanguinis, ao fundamento de que seus pais são brasileiros e se casaram em 7.3.67, na cidade de Caarapó, Mato Grosso do Sul (fls. 645/667).
É o relatório.
VOTO: Conforme relatado, trata-se de extradição instrutória requerida pelo Governo do Paraguai fundada em título prisional preventivo expedido em desfavor do extraditando ** no país requerente.
De acordo com a Nota Verbal nº 3/055/2015, o extraditando está sendo processado naquele país por ter sido o suposto mandante de dois homicídios qualificados executados em 16.10.14 contra as vítimas ** ** e ** **, no Departamento de Canindeyú, República do Paraguai.
Preliminarmente, indefiro a conversão do julgamento em diligência requerida pelo extraditando (fls. 579/580) para a requisição de mídia contendo a gravação da audiência realizada na ação anulatória de seu registro civil brasileiro, uma vez que a defesa já promoveu a juntada dos termos de depoimentos prestados pelas testemunhas de seu interesse (fls. 581/590).
A providência reclamada, portanto, é irrelevante para a instrução do feito.
Superada essa preliminar, a questão a ser enfrentada, por ser prejudicial ao exame de mérito, é a da nacionalidade do extraditando.
O extraditando confessou ter dois assentos de nascimento: o primeiro, lavrado no Paraguai, em nome de **, e o segundo, lavrado muitos anos anos depois, no Brasil, em nome de **.
Como os dois registros apontam que o extraditando nasceu, na mesma data, em ambos os países, a impossibilidade lógica de sua coexistência é manifesta.
Os peritos da Polícia Federal, por meio de exame papiloscópico, constataram que as individuais datiloscópicas do extraditando identificam-se com as de **, identificado civilmente no Estado de Mato Grosso do Sul sob nº ** (vide laudo da perícia papiloscópica nº 15/2015 no apenso 01).
Os peritos, apesar da baixa qualidade da digitalização das individuais datiloscópicas em nome de **, encaminhadas pela INTERPOL, comprovaram ainda “que a classificação datiloscópica das impressões digitais do prontuário em nome de ** é coincidente com a classificação primária das impressões digitais constantes na individual datiloscópica em nome de **” (vide laudo pericial nº 3/2015, às fls. 16/17, e laudo de perícia papiloscópica nº 15/2015, no apenso 01, grifo nosso).
É incontroverso, portanto, que o suposto nacional brasileiro ** e o suposto nacional paraguaio ** são a mesma pessoa.
Resta saber se é verdadeiro o assento de nascimento lavrado no Brasil, o que se erigiria em óbice à extradição, haja vista que, nos termos do art. 5º, LI, da Constituição Federal,
“nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.
A resposta é desenganadoramente negativa.
Nos termos do art. 1.604 do Código Civil, “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.
Na Ext. nº 1.141/República Oriental do Uruguai-QO, Pleno, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 7.10.14, discutiu-se a existência de dúvida a respeito da nacionalidade do extraditando, registrado civilmente no Uruguai, cinco anos após o seu nascimento, e no Brasil, dezesseis anos após o seu nascimento.
Nesse julgamento, observou o Ministro Celso de Mello que
“(...) o extraditando suscitou uma questão prejudicial, que é altamente relevante, porque concerne à alegada titularidade, por ele, da condição jurídica de brasileiro nato.
Essa questão prejudicial, se acolhida, representará insuperável obstáculo ao conhecimento da ação de extradição passiva, pois encontra fundamento na própria Constituição, que proclama a inextraditabilidade do brasileiro nato (CF, art. 5º, inciso LI).
Como aqui salientou o eminente Ministro CEZAR PELUSO, o registro civil produz todos os seus efeitos enquanto não for desconstituído. Essa é uma regra básica que prevalece em matéria registral. Há, aí, uma presunção ‘juris tantum’, meramente relativa, de legitimidade do ato registral.
A cessação da eficácia jurídica do assento de nascimento em causa, lavrado por órgão competente do Registro Civil das Pessoas Naturais, depende, para efetivar-se, de desconstituição ordenada por autoridade judiciária.
Até que sobrevenha essa desconstituição judicial, subsiste, no que concerne ao mencionado assento de nascimento, a presunção de legitimidade e de veracidade de referido ato estatal, cuja fé pública – é importante salientar – é resguardada pela própria Constituição Federal, como resulta claro da norma inscrita em seu art. 19, inciso II.
Considerada a presunção de legitimidade e de veracidade que resulta do ato registral em questão, tenho sérias dúvidas a propósito da subsistência da prisão cautelar, mesmo aquela de caráter domiciliar, do ora extraditando, pois milita, em favor deste, a condição jurídica de brasileiro nato, como o evidencia certidão de nascimento extraída do Registro Civil das Pessoas Naturais de Bento Gonçalves/RS”.
E, mais adiante, aduziu que
“[a] questão básica consiste em saber se o assento de nascimento, ainda que tardiamente lavrado em órgão competente do Registro Civil das Pessoas Naturais no Estado do Rio Grande do Sul, teria sido, ou não, desconstituído por decisão judicial, pois, enquanto tal não ocorrer, esse ato registral produzirá todos os seus efeitos jurídicos, notadamente aquele que atribui a condição de brasileiro nato à pessoa a que se refere”.
Na espécie, o juízo da Vara Única da Comarca de Sete Quedas/MS, em ação anulatória de registro civil ajuizada pelo Parquet estadual, deferiu pleito de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional e cancelou o assento de nascimento do extraditando no Brasil, in verbis:
“Trata-se de ação anulatória de registro civil ajuizada pelo Ministério Público Estadual em face de **, paraguaio, que atualmente encontra-se no prédio da Polícia Federal em Campo Grande. Aduziu, em apertada síntese, que o requerido é paraguaio e foi registrado naquele país na cidade de Ypehu, tendo nascido no dia 13.07.1975, filho de ** e **. Acontece que além da certidão de nascimento paraguaia, o requerido possui certidão de nascimento brasileira, desta feita com o nome de **, com a mesma data de nascimento e nome dos pais, apenas com a menção de que o nascimento ocorreu na cidade de Paranhos.
Apontou ainda como prova de que o requerido é paraguaio e a certidão de nascimento brasileira não condiz com a realidade o fato dele ter ocupado até pouco tempo atrás o cargo de representante do executivo da cidade paraguaia de Ipehu, dele saindo apenas após ser acusado pelos órgãos de segurança pública do Paraguai de ser o mandante do assassinato do jornalista ** e da estudante de jornalismo **.
Pediu tutela antecipada para anular o registro civil do requerido, diante da sua inveracidade. Com a inicial vieram documentos.
(…)
No caso em tela não há dúvida de que o assento de nascimento lavrado perante o cartório de registro civil de Paranhos é inválido, na medida em que não representa a realidade.
Primeiro, há de se apontar a existência de certidão de nascimento feita no Paraguai, mais precisamente em Ypehu (cidade que faz fronteira seca com Paranhos) apontando nascimento de ** no dia 13.07.1975, filho de ** e **, sendo tal documento emitido em 09.12.1978.
De outro lado, consta no registro civil de Paranhos o assento - que se pretende anular - de **, filho de ** e **, também nascido no dia 13.07.1975, mas do lado de cá da fronteira, na cidade de Paranhos, pertencente a esta comarca. O documento brasileiro foi feito em 05.12.1988, diante de processo de registro tardio.
Em que pese pequena diferença do nome do autor e de seus pais entre o registro paraguaio e o brasileiro, decorrente basicamente da inserção na certidão brasileira do sobrenome **, dúvida não paira de que se trata da mesma pessoa.
O laudo pericial feito pela Polícia Federal, ainda que diante da baixa qualidade da digitalização do documento oriundo do Paraguai, não tenha feito o confronto integral, aponta que as classificações datiloscópicas primárias são coincidentes, entre o documento de identificação civil feito no Paraguai por ** e no Brasil por **.
Reforça ainda mais a presente convicção o fato de que seria uma extrema coincidência duas pessoas com nome praticamente iguais, com nome dos pais praticamente iguais, terem nascido no mesmo dia, cada qual de um lado da fronteira, mormente na década de 1970, oportunidade em que a região era ainda menos povoada.
O requerido ao depor na Polícia Federal diz que nasceu no Hospital de Paranhos, informação que não corresponde [à] de sua certidão de nascimento, onde figura nascimento em domicílio paterno. Aliás, pouco crível o registro tardio de criança nascida em hospital.
Segue agora o maior fundamento para ter a certeza de que o requerido é paraguaio, não brasileiro, pois além de seu registro de nascimento ter sido feito no Paraguai muito antes do que no Brasil, o próprio requerido admitiu que já foi vereador e prefeito de Ypehu, o que somente poderia acontecer se fosse paraguaio. Também no depoimento prestado perante a Polícia Federal na data de hoje o requerido admite que deixou o cargo de prefeito diante da acusação de ser o mandante do assassinato de um jornalista e uma estudante de jornalismo.
Basta uma simples conferida nos sítios do Paraguai para conferir que o prefeito de Ypehu que foragiu após ser acusado de mandante de crime de homicídio é a pessoa de **, conhecido pelo apelido de **, não o seu nome brasileiro **.
Não pode, infelizmente seja bastante comum nesta região de fronteira, sobretudo diante da generosidade da avaliação da prova no registro tardio no afã de facilitar o acesso à cidadania das pessoas, o sujeito nascido na República do Paraguai e lá registrado, ter outro documento de registro civil, como se nascido fosse em território brasileiro.
Eis, mais que demonstrada, a verossimilhança.
O fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação também está presente, na medida em que há necessidade de desconstituição do assento de nascimento em questão para que seja levado a cabo o procedimento de extradição do réu, para que em território paraguaio responda às acusações que lhe são dirigidas.
Ante o exposto, defiro o pleito de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para o fim de cancelar o assento de nascimento de **, filho de ** e **, nascido aos 13.07.1975, matrícula n° 0628440255 1988 1 00007 123 0004348 96.”
Desta feita, diversamente da controvérsia retratada na citada Ext nº 1.141/República Oriental do Uruguai-QO, a validade do registro civil do extraditando no Brasil é objeto de ação própria na Justiça Comum Estadual e os efeitos que dele emanam foram suspensos por decisão judicial.
Como foi judicialmente afastada a presunção juris tantum de veracidade do ato registrário brasileiro, por decisão que, embora provisória, continua a projetar seus efeitos, não há óbice à análise do mérito do pedido de extradição.
Nesse particular, embora esta não seja a sede própria para a determinação da real nacionalidade do extraditando, inúmeros elementos de prova constantes destes autos reforçam a convicção de que ele é natural do Paraguai, corroborando a decisão de primeiro grau pelo cancelamento de seu registro civil tardio brasileiro.
De acordo com a Direção Geral do Registro do Estado Civil do Ministério da Justiça do Paraguai, o extraditando **, filho de ** e de **, nasceu em 13 de julho de 1975 na cidade de Ypejhu, no Paraguai, e foi registrado naquele órgão em 9 de dezembro de 1978 (vide certidões de “ata de nascimento” às fls. 100 e 102 e as respectivas traduções às fls. 101 e 103).
Diversamente do que sustenta a defesa, não há qualquer dúvida de que 9 de dezembro de 1978 é a efetiva data da inscrição do extraditando no registro civil paraguaio.
Com efeito, a data de 17 de março de 1988, constante da certidão de nascimento de fl. 102, é tão somente a data de emissão desse documento.
Por óbvio, a data de emissão de certidão de nascimento não se confunde com a data da lavratura do próprio assento de nascimento.
E não é só.
O extraditando é eleitor inscrito na Justiça Eleitoral paraguaia (fl. 139) e, em 2.3.90, foi registrado civilmente, sob nº 2.675.907, no Departamento de Identificações da Polícia do Paraguai, constando desse registro que ele nasceu em Ypejhu, naquele País, em 13 de julho de 1975 (fl. 96).
Outrossim, o extraditando foi vereador, na legislatura 2006/2010, e Prefeito, de 2010 a 2014, da cidade de Ypejhu, no Paraguai. Não obstante esse último mandato se estendesse a 2015, o extraditando abandonou o cargo e se evadiu do Paraguai, após a decretação de sua prisão preventiva pelos homicídios a ele ora imputados.
Observo que sua eleição para Prefeito de Ypejhu foi impugnada pelo candidato oponente, ao fundamento de que teria dupla nacionalidade, brasileira e paraguaia.
Na contestação apresentada ao Tribunal Eleitoral Paraguaio, o extraditando asseverou que era paraguaio nato e se chamaria **, negando, por outro lado, que se chamasse ** e fosse brasileiro (fls. 154/160).
Aliás, o extraditando constituiu, por instrumento público, os advogados que o defenderam naquela causa eleitoral e, perante a “escrivã juramentada” (tabeliã), identificou-se como o paraguaio **, apresentando cédula de identidade paraguaia (fls. 161/162).
Também ao ser ouvido pelo Ministério Público do Paraguai em investigações referentes a outros homicídios, o extraditando, em duas ocasiões distintas (17.2.11 e 18.2.11), qualificou-se como **, paraguaio, natural de Ypejhú (fls. 199 e 202).
Ao propor ação penal privada contra o jornalista **, por crimes contra sua honra, o extraditando, mais uma vez, qualificou-se como paraguaio, assinando a peça inicial conjuntamente com seu advogado (fls. 110/120).
Ao ser interrogado, o extraditando procurou fazer crer que nasceu em Paranhos/MS, mas admitiu que nunca estudou no Brasil e que somente frequentou escolas paraguaias. Acrescentou que seu pai reside, de longa data, no Paraguai, onde também residia sua falecida mãe.
Outrossim, o único imóvel de que é titular, conforme declarou ao ser interrogado, situa-se no Paraguai.
O extraditando, em sua defesa, alega que seu registro civil paraguaio é falso, mas a justificativa por ele apresentada para essa suposta falsidade é pueril.
Em seu interrogatório, ao ser indagado sobre o motivo de ter sido registrado no Paraguai, o extraditando alegou que, “na época, vendia leite na rua” e o registrador paraguaio era seu cliente. “Todo dia ele brincava comigo e um dia perguntou se eu tinha registro e eu falei que não”. “Quando eu tinha doze anos ele emitiu esse documento”. Alegou que, embora feito esse registro em 1988, ele foi falsamente antedatado para 1978.
Essa versão, além de inverossímil, é mendaz, por contrastar com a data em que, consoante já exposto, foi lavrado o seu assento civil no Paraguai: 9 de dezembro de 1978, quando tinha apenas três anos de idade. Conforme também já demonstrado, 1988 é, tão somente, o ano de emissão de uma das certidões de nascimento paraguaias que instruem o presente feito, e não o ano de lavratura do respectivo assento.
À vista de tão robustos elementos de convicção, o extraditando, indubitavelmente, é paraguaio nato, por ter nascido em solo paraguaio.
Não se olvida que, por decisão do Juiz de Direito **, da Comarca de Amambaí, Mato Grosso do Sul (à qual, à época, pertencia o Município de Paranhos) foi lavrado, em 5 de dezembro de 1988, o assento tardio de nascimento do extraditando no Serviço de Registro Civil de Paranhos, onde foi registrado como **, filho de ** e de **, nascido em 13 de julho de 1978, em Paranhos, no domicílio materno (fls. 395/400).
Esse registro, todavia, como já exposto, foi cancelado por decisão que antecipou os efeitos da tutela jurisdicional em ação anulatória de registro civil proposta pelo Ministério Público.
Por sua vez, embora, na averbação feita à margem do assento de nascimento, conste que o “registro foi feito de acordo com o despacho do MM. Juiz de Direito Dr. **, da Comarca de Amambaí, em 09-11-88, arquivado neste Cartório” (fl. 400), o oficial do registro, sintomaticamente, não encontrou em seus arquivos o requerimento de registro tardio e nem a decisão que o autorizou (fls. 397/398 e fl. 73 dos autos da PPE nº 741).
E não é só: o distribuidor da Comarca de Amambaí também não registra qualquer feito em nome do extraditando (fl. 74 dos autos da PPE nº 741).
É certo que, de acordo com o registrador civil de Paranhos, o juiz corregedor dessa serventia, àquela época, despachava no próprio requerimento de registro tardio e o devolvia ao registrador, sem maiores formalidades, para arquivamento em pasta própria.
Ocorre que, como ressaltado, essa pasta também não foi localizada (fl. 399).
Sintomático, ainda, que o extraditando, ao ser ouvido na Polícia Federal, tenha declarado haver nascido no hospital de Paranhos/MS, quando o registro tardio de nascimento brasileiro aponta que ele teria nascido no domicílio materno, supostamente situado naquele município.
Nesse particular, o extraditando, ao ser interrogado em juízo na presente extradição, alegou ter nascido no domicílio materno, em Paranhos.
Ocorre que a defesa promoveu a juntada de termo de depoimento de **, testemunha de defesa nos autos da ação anulatória de registro civil do extraditando, que apresentou uma terceira e inovadora versão: a de que o extraditando teria nascido no domicílio dessa testemunha (fls. 589/590).
Por sua vez, o Hospital Municipal de Paranhos/MS, de acordo com novos documentos apresentados pelo Procurador-Geral da República, informou não haver nenhum registro de atendimento de **, genitora do extraditando, nos anos de 1974, 1975 e 1976 (fls. 627/628).
Todas essas contradições evidenciam, uma vez mais, a falsidade do registro tardio brasileiro do extraditando, e sepultam a versão de que teria nascido no Brasil.
Também não se olvida que a defesa, em abono à tese de que o extraditando seria brasileiro nato, apresentou fotocópias de certidão de casamento e de cédulas de identidade (fls. 405/409) para demonstrar que seu pai, **, seria natural de Ponta Porã/MS; sua mãe, **, seria natural de Caarapó/MS e que ambos teriam se casado no Serviço de Registro Civil de Caarapó.
Ocorre que a certidão de fl. 107 comprova que a avó paterna do extraditando, **, é paraguaia, natural de Ypejhu, mesmo município em que nasceu o extraditando, e registrou seu filho ** (pai do extraditando), em 9 de outubro de 1948, no serviço de registro civil de Ypejhu, declarando que ele havia nascido em sua casa, naquela localidade.
Logo, além de fundada dúvida a respeito da nacionalidade brasileira de seu pai, o que milita em seu desfavor, há prova documental de que o extraditando, seu genitor e sua avó paterna são paraguaios e nasceram em Ypejhu.
Todas essas dúvidas se estendem, inevitavelmente, à própria identidade de sua genitora.
O fato de, conforme sustenta sua defesa, o extraditando haver recebido atendimento médico em hospital de Paranhos/MS em 2006, 2008 e 2009, e de ter dois filhos nascidos nesse município (fls. 426 e 429) não infirma a conclusão de que o extraditando é natural de Ypejhu, até porque essas cidades são contíguas, possibilitando a fronteira seca rápido e fácil deslocamento entre ambas.
O próprio extraditando, ao ser interrogado, declarou que, embora residisse no Paraguai, sempre buscava atendimento médico em Paranhos, porque Ypejhu não tinha hospital.
Analogamente, o fato de ter, no Brasil, cédula de identidade (RG), inscrição no cadastro de pessoa física (CPF) e título eleitoral (fls. 434/435) não abona a tese da nacionalidade brasileira, haja vista que se trata de documentos baseados no falso registro tardio brasileiro.
Como bem salientado pela Procuradoria-Geral da República em seu parecer,
“[i]nfelizmente, necessário consignar ser evento comum estrangeiros residentes na faixa de fronteira, fraudulentamente, conseguirem registro de nascimento no Brasil com o fito de usufruir dos serviços públicos brasileiros, principalmente os de saúde e previdência, e até mesmo para envolvimento no tráfico ilícito de entorpecentes e de armas na faixa internacional de fronteira”.
O extraditando, repise-se, teve seu assento de nascimento lavrado no Paraguai apenas três anos após seu nascimento, foi registrado civilmente na Polícia do Paraguai, sempre estudou nesse país, onde viveu a maior parte de sua vida, é eleitor paraguaio e foi eleito vereador e prefeito naquele País, com base em sua nacionalidade paraguaia.
O extraditando, portanto, sempre gozou, em sua plenitude, da nacionalidade paraguaia, a qual, agora, convenientemente, após se evadir para o Brasil em razão dos graves crimes a ele imputados, rejeita.
Por sua vez, a precedência do registro paraguaio sobre o registro brasileiro, com uma diferença de dez anos entre ambos, reforça a convicção de que o extraditando é paraguaio nato, ao que se soma a circunstância de seu pai ter requerido o registro tardio no Brasil do extraditando e de seus cinco irmãos de cambulhada (vide declaração do oficial de registro civil de Paranhos à fl. 73 dos autos da PPE nº 741), os quais, do mesmo modo que o extraditando, já haviam sido precedentemente registrados no Paraguai (fls. 550/566).
A esse respeito, confira-se: **, nascido em 2/11/81 em Ipejhu, foi registrado civilmente no Paraguai em 17.4.82 (fl. 552); **, nascido em Ipejhu em 10.8.79, foi registrado civilmente no Paraguai em 10.9.80 (fl. 555); **, nascido em Ipejhu em 25.9.76, foi registrado civilmente no Paraguai em 9.12.78 (fl. 558); **, nascida em Ipejhu em 9.3.69, foi registrada civilmente no Paraguai em 26.12.73 (fl. 561) e **, nascida em Ipejhu em 1º.2.74, foi registrada civilmente no Paraguai em 9.12.78 (fl. 561).
Como se vê, o extraditando e seus irmãos (todos filhos do mesmo pai e da mesma mãe), nasceram em Ipejhu e foram registrados no Paraguai, em datas diversas e relativamente próximas a seu nascimento, com larguíssima antecedência em relação ao registro civil tardio de todos eles no Brasil, realizado de cambulhada, repita-se, numa mesma data, muitos anos após seu nascimento.
Todos esses fatos, aos quais se acresce a existência de decisão judicial em que, embora provisoriamente, se cancelou seu registro de nascimento brasileiro, ao fundamento de sua falsidade, corroboram, uma vez mais, a conclusão de que o extraditando é paraguaio nato.
Superada a questão da nacionalidade, passo ao exame de mérito da extradição.
Por meio da Resolução Fiscal nº 55, de 18.10.14, o Ministério Público do Paraguai ordenou a detenção preventiva do extraditando e solicitou ao Juizado Penal de Garantias de Curuguaty, Departamento de Canindeyú, “em conformidade com a ata de imputação nº 55, do dia 29 de outubro do ano 2014”, a declaração de revelia e a sua detenção, por homicídio qualificado, nos termos do art. 105, §§ 1º e 2º, incisos 2º (“a ação coloc[ou] em perigo imediato a vida de terceiros”) e 4º (“de forma traiçoeira, aproveitando intencionalmente a condição indefesa da vítima”), do Código Penal Paraguaio (fl. 212).
Em 30.10.14, o Juizado Penal de Garantias de Curuguaty, nos autos da “causa nº 1.527/2014”, declarou a revelia do extraditando e ordenou sua prisão, com fundamento no art. 82 do Código de Processo Penal Paraguaio (fls. 215/218). Posteriormente, em 6.11.14, o mesmo Juizado expediu ordem de captura internacional do extraditando (fl. 224).
Os crimes ora imputados ao extraditando foram descritos na Resolução Fiscal nº 55 do Ministério Público do Paraguai (fls. 207/210).
Por sua vez, o pedido de extradição formulado pelo Juizado Penal de Garantias de Curuguaty narra minudentemente as circunstâncias em que os crimes foram praticados:
“”Segundo o Ministério Público, **, com o apelido **, de nacionalidade paraguaia, de 39 anos de idade, estado civil solteiro, nascido no dia 13 de julho de 1975, na localidade de Ypejhu, domiciliado no bairro Virgen dei Rosário da cidade de Ypejhu, com cédula de identidade nº **, filho de ** e **; mantinha uma inimizade com ** , paraguaio, solteiro, de 58 anos de idade, com documento de identidade Nº **, domiciliado na cidade de Curuguaty, jornalista, correspondente do jornal ABC COLOR e vítima do crime de homicídio.
A mencionada inimizade devia-se a que ** realizava constantes publicações jornalísticas contra **, a quem lhe atribuía supostas vinculações com o narcotráfico na zona, estas publicações foram feitas antes de sua eleição como Prefeito da cidade de Ypejhú e continuaram as publicações estando ** em tal cargo. Por causa de tais publicações o senhor ** teria recebido ameaças de morte por parte do senhor **.
Pelos indícios e elementos coletados existentes na pasta de investigação, o Ministério Público sustenta que ** teria mandado chamar o seu irmão ** do Brasil para que, junto a seu sobrinho **, planificassem e realizassem o homicídio de **.
Assim sendo, tal plano foi executado no dia 16 de outubro do ano de 2014, quando **, sua assistente ** e a irmã da mesma **, retornavam da colônia Crescendo González do Departamento de Canindeyú, depois de tirarem fotografias das pragas que atacavam o cultivo na zona.
Nesse sentido, sendo aproximadamente as 14:10 horas do dia 16 de outubro de 2014, a uma distância de oito quilômetros antes de chegar à zona urbana da cidade de Villa Ygatimí, Departamento de Canindeyú, República do Paraguai, num caminho dessa zona que liga esta cidade e a Colônia Ko’e Porá, ** e **, utilizando vestimenta militar, haviam interceptado a caminhonete marca MITSUBISHI, modelo L200, de cor branca, com chapa Nº **, conduzida por **.
Uma vez que o Senhor ** deteve a marcha acreditando que se tratavam de militares, estas pessoas que seriam ** e ** perguntaram se ele era **, o qual respondeu que sim era, e sem dizer mais realizaram vários disparos contra o chofer **, tais tiros também impactaram **, a qual estava no banco dianteiro. Uma vez executados todos os tiros possíveis para ter como segura a morte de **, ambas pessoas fugiram.
Uma vez comunicado o fato, o agente fiscal se constituiu no local do acontecimento, acompanhado do médico forense de turno Dr. **, quem constatou que ** já não apresentava sinais de vida, o corpo foi encontrado sentado no banco do motorista dentro do veículo; enquanto que **, quem estava sentada no banco do passageiro e, ainda apresentava sinais de vida, pelo que foi derivada ao hospital de Curuguaty onde chegou sem sinais de vida. Entretanto, ** quem estava no banco de trás não apresentava lesões de bala, dado que pôde se jogar ao chão da caminhonete.
Os corpos de ** e ** foram remetidos ao necrotério do hospital de Curuguaty, onde foi realizada a autopsia. O Médico Forense concluiu como causa da morte de ambas as vítimas “Destruição da massa encefálica por disparos de arma de tiro”. Igualmente, segundo o informe da Divisão Criminalista da Polícia Nacional o Sr, ** recebeu impactos de projétil calibre 9mm e disparos de escopeta calibre 12mm e a senhorita ** tinha recebido impactos de bala de 9mm.
Assim sendo, perante o Ministério Público, prestou declaração como testemunha **, única sobrevivente, quem relatou as circunstâncias de como aconteceu o fato; igualmente esta testemunha realizou um Reconhecimento de Pessoas por fotografias, em caráter de Antecipação Jurisdicional de Prova (Prova Antecipada). E assim que, de todas as fotos mostradas para ** sobre os possíveis participantes do crime de HOMICÍDIO DOLOSO, ela reconheceu o rosto de um dos sujeitos que dispararam contra ** e **, tal fotografia corresponde a **, quem logo foi imputado e cuja revelia foi solicitada por Requerimento Fiscal nº 55 de data 16.10.14, o mesmo, até a presente data encontra-se foragido e com ordem de captura internacional.
Com relação à inimizade existente entre a vítima ** e ** existem vários elementos, como são as constantes publicações nas quais ** o atribuía como suposto nexo com o tráfico de drogas na zona de fronteira com o Brasil e o cometimento cie alguns crimes de homicídio na zona de Vil Ia Ygatimí e Ypejhú.
Segundo a informação dada pela Polícia Nacional, logrou-se identificar a ** como o outro participante do homicídio. Nesse sentido, o pessoal policial designado para a investigação entrevistou um morador das redondezas do lugar do crime, quem manifestou ter visto ** na casa de um vizinho seu, a quem o escutou perguntar se o motorista da caminhonete que passava nesse momento era **[.]
Por outro lado, **, uma vez que confirmou que a pessoa que dirigia a caminhonete era **, teria ligada para ** e ** para comunicar-lhes esta informação. Esta afirmação se desprende do registro e intercâmbios de ligações telefônicas com que conta o Ministério Público.
Uma vez cumprida com esta missão de acompanhamento, por instrução de **, ** seguiu a caminhonete de **, ultrapassou a mesma e foi encontrar-se com **, para esperar a passagem da caminhonete da vítima. Enquanto isso ** ficou na cidade de Ypejhú, esperando a ligação de confirmação do homicídio de **.
Cabe assinalar que mediante as evidências coletadas foi possível confirmar que houve várias comunicações entre os imputados, antes, durante e de maneira posterior ao cometimento do crime. ** utilizava o número telefônico**, para comunicar-se constantemente com **, enquanto que este utilizava o número telefônico N° **, cujo titular da linha era seu chofer ** enquanto que ** utilizava a linha telefônica Nº **.
No dia 08 de dezembro de 2014, sendo aproximadamente 08:00 horas foi detido ** (chofer de **) imputado na presente causa, quem no momento de dar sua declaração manifestou que no dia 16.10.2014, sendo aproximadamente as 11:00 horas recebeu no número ** a ligação de ** quem lhe solicitou que passasse a comunicação com **. Acrescentou que escutou a comunicação entre os citados onde **, escutou que confirmou a ** que o senhor ** estava na zona, desde esse momento ficou com seu telefone celular. Posteriormente, ** chamou ** perguntando-lhe se terminou com ‘o trabalho’, e em seguida escutou ** dizer ‘beleza pura’ e desligou a ligação. Igualmente recalcou que o aparelho celular com o número citado era utilizado pelo seu patrão o cidadão paraguaio **.
Também pôde-se confirmar as localizações dos celulares de **, ** e **, mediante o relatório das antenas ou células das telefonias. Em tal sentido, conforme esta análise, ** e ** foram localizados no lugar e hora do crime, enquanto que ** foi localizado na cidade de Ypejhú na hora em que aconteceu o crime.
Portanto, de acordo com as diligências realizadas na presente causa, para o Ministério Público surgem sérias suspeitas sobre a participação de ** no crime de Homicídio contra ** e **, fato em que também estão envolvidos como autores diretos: ** e **. Conforme o exposto sustenta-se que ** teria mandado seu irmão ** e a seu sobrinho **, para que acab[ass]em com a vida de **, os quais assim o realizaram.”
O pedido de extradição, portanto, foi devidamente instruído pelo Estado requerente com cópia da ordem de prisão expedida por autoridade judiciária competente, havendo indicações seguras a respeito do local, da data, da natureza e das circunstâncias dos fatos delituosos (art. 80 da Lei nº 6.815/80 e art. 18 do Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul).
O Estado requerente possui competência para a instrução e o julgamento dos crimes imputados ao extraditando, descritos nos documentos que instruem a Nota Verbal nº 3/055/2015, pois eles foram praticados em seu território (art. 78, I, da Lei nº 6.815/80).
Os crimes também não possuem qualquer conotação política, afastando-se, portanto, a vedação do art. 77 da Lei nº 6.815/80 e do art. 5º do Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul.
Neste particular, na Ext. 524, Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 8/3/91, ressaltou-se que
“a noção de criminalidade política é ampla. Os autores costumam analisá-la em face de posições doutrinárias que reduzem a teoria do crime político a um dualismo conceitual, que distingue, de um lado, o crime político absoluto ou puro (é o crime político em sentido próprio) e, de outro, o crime político relativo ou misto (é o delito político em sentido impróprio). Aquele, traduzindo-se em ações que atinjam a personalidade do Estado, ou que buscam alterar-lhe ou afetar-lhe a ordem política e social (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p. 609; Francisco de Assis Toledo, ‘Princípios básicos de Direito Penal’, p. 135, item 119, 3ª ed., 1997, inter plures); este – o crime político em sentido impróprio – embora exprimindo uma concreta motivação político-social de seu agente, projeta-se em comportamentos geradores de uma lesão jurídica de índole comum”.
Por sua vez, na Ext. 1.085, Pleno, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de 16.4.10, o Supremo Tribunal Federal decidiu que homicídio praticado em plena normalidade institucional de Estado Democrático de direito, desvestido de propósito político imediato ou conotação de reação legítima a regime opressivo, não caracteriza crime político. Transcrevo, na parte que interessa, a ementa desse julgado:
“EXTRADIÇÃO. Passiva. Crime político. Não caracterização. Quatro homicídios qualificados, cometidos por membro de organização revolucionária clandestina. Prática sob império e normalidade institucional de Estado Democrático de direito, sem conotação de reação legítima contra atos arbitrários ou tirânicos. Carência de motivação política. Crimes comuns configurados. Preliminar rejeitada. Voto vencido. Não configura crime político, para fim de obstar a acolhimento de pedido de homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina, em plena normalidade institucional de Estado Democrático de direito, sem nenhum propósito político imediato ou conotação de reação legítima a regime opressivo (...)”.
Como destacado no voto condutor desse acórdão, em lição inteiramente aplicável à espécie,
“(...) a natureza dos delitos pelos quais o extraditando foi condenado, marcados sobremaneira pela absoluta carência de motivação política, intensa premeditação, extrema violência e grave intimidação social, não se afeiçoa de modo algum ao modelo conceptual de delito político que impede a extradição de súditos estrangeiros, ao menos nos contornos definidos e consolidados pela Corte nos precedentes já mencionados (EXT nº 493, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 03.08.1990; EXT nº 694, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ de 22.08.1997; EXT nº 794, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 24.05.2002 e EXT nº 994, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 04.08.2006).
(...)
Os homicídios dolosos, cometidos com premeditação pelo ora extraditando, não guardam relação próxima nem remota com fins altruístas que caracterizam movimentos políticos voltados à implantação de nova ordem econômica e social. Revelam, antes, puro intuito de vingança pessoal, enquanto praticados contra dois policiais, cujas funções eram exercidas em presídios que abrigavam presos políticos e comuns (i), e dois comerciantes que teriam reagido a anteriores tentativas de assalto a seus estabelecimentos (ii)”.
Nesse contexto, e não obstante o extraditando, ao ser interrogado, tenha procurado dar coloração política às acusações contra ele deduzidas, não resta a menor dúvida de os crimes a ele imputados (homicídios de um jornalista e de sua assistente, mediante recurso que impossibilitou a sua defesa), são despidos de natureza política e se inserem na criminalidade comum.
O requisito da dupla tipicidade foi preenchido, haja vista que os fatos encontram correspondência no art. 121, § 2º, IV, do Código Penal Brasileiro.
Também se encontra presente o requisito da dupla punibilidade, haja vista que não ocorreu a prescrição da pretensão punitiva sob a óptica da legislação de nenhum dos Estados (art. 77, VI, da Lei nº 6.815/80 e art. 9º do Acordo de Extradição).
O homicídio doloso, em sua forma qualificada, é punido, nos termos do art. 105, §§ 1º e 2º, do Código Penal Paraguaio, com pena máxima de trinta anos.
Outrossim, de acordo com o art. 102, § 1º, do Código Penal Paraguaio, a prescrição da pretensão punitiva se verifica em quinze anos, quando prevista pena máxima igual ou superior a quinze anos; em três anos, quando prevista pena privativa de liberdade de até três anos ou multa e, nos demais casos, no mesmo tempo da pena máxima privativa de liberdade (fl. 253).
Como os fatos imputados ao extraditando ocorreram em 16/10/14 não ocorreu, segundo a legislação paraguaia, prescrição.
Do mesmo modo, à luz da legislação brasileira, não se operou essa causa de extinção da punibilidade, uma vez que a pena máxima cominada ao homicídio doloso qualificado também é de trinta anos de reclusão (art. 121, § 2º, IV, do Código Penal), cuja prescrição se verifica, nos termos do art. 109, I, do Código Penal, em vinte anos.
Portanto, sob todos os ângulos, não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva.
O extraditando, ao ser interrogado, negou ter sido o mandante do duplo homicídio, alegando que essa imputação deriva do fato de ter movido uma ação penal contra a vítima ** por crimes contra sua honra. Disse que sofria perseguição política, acrescentando que era do Partido Colorado, ao passo que a referida vítima era do partido Liberal, de oposição.
Descabe, todavia, incursionar no mérito dessas alegações.
Esta Suprema Corte tem, reiteradamente, assinalado que
“o modelo extradicional vigente no Brasil – que consagra o sistema de contenciosidade limitada, fundado em norma legal (Estatuto do Estrangeiro, art. 85, § 1º) reputada compatível com o texto da Constituição da República (RTJ 105/4-5 - RTJ 160/433-434 - RTJ 161/409-411 - RTJ 183/42-43 - Ext 811/República do Peru) – não autoriza que se renove, no âmbito da ação de extradição passiva promovida perante o Supremo Tribunal Federal, o litígio penal que lhe deu origem, nem que se efetive o reexame do quadro probatório ou a discussão sobre o mérito da acusação ou da condenação emanadas de órgão competente do Estado estrangeiro” (Ext nº 866/PT, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 13.2.04).
Perfilhando esse entendimento, destaco, também, os seguintes precedentes:
“EXTRADIÇÃO. GOVERNO DA ITÁLIA. FORMAÇÃO DE QUADRILHA VOLTADA AO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES, CONCURSO EM EXTORSÃO E CONCURSO EM LESÕES GRAVES. EXTRADITANDO QUE POSSUI DOENÇA MENTAL ATESTADA POR LAUDO. PRELIMINAR DE PREJUDICIALIDADE AFASTADA. ANÁLISE QUE CABE AO ESTADO REQUERENTE. PRESENÇA DA DUPLA TIPICIDADE. INOCORRÊNCIA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, TANTO PELA LEI BRASILEIRA COMO PELA LEI ITALIANA QUANTO AOS FATOS RELATIVOS AOS MANDADOS DE PRISÃO EXPEDIDOS PELA JUSTIÇA ITALIANA. AUSÊNCIA DE ÓBICE AO DEFERIMENTO DA EXTRADIÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA RECONHECIDA, NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. PEDIDO PARCIALMENTE DEFERIDO. 1. Os crimes de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, associação para o tráfico, extorsão e lesões graves, pelos quais o extraditando foi condenado na Itália, encontram tipos penais correspondentes no ordenamento jurídico brasileiro. Presente, portanto, o requisito da dupla tipicidade. 2. Não cabe a esta Corte examinar matéria atinente à eventual inimputabilidade do extraditando, pois no Brasil o processo extradicional se pauta pelo princípio da contenciosidade limitada. Cabe ao Estado requerente a análise sobre aplicação de pena ou medida de segurança ao extraditando. 3. A prescrição da pretensão executória regulada pela pena residual em caso de fuga não admite o cômputo do tempo de prisão provisória. Precedentes. Prescrição consumada em 11.06.2006, em relação à sentença penal condenatória proferida pela justiça italiana em 11.06.1994, nos termos da legislação brasileira. 4. Prescrição não ocorrida, porém, à luz da legislação brasileira, tampouco nos termos da lei italiana, quanto aos fatos que deram origem aos mandados de prisão expedidos pela justiça italiana. 5. Pedido de extradição parcialmente deferido” (Ext nº 932/IT, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 28.3.08 - grifos nossos);
“EXTRADIÇÃO PASSIVA DE CARÁTER EXECUTÓRIO - INEXISTÊNCIA DE TRATADO DE EXTRADIÇÃO ENTRE O BRASIL E A REPÚBLICA TCHECA - PROMESSA DE RECIPROCIDADE - FUNDAMENTO JURÍDICO SUFICIENTE - DUPLA TIPICIDADE - CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO DELITO DE ESTELIONATO - PRETENDIDA NULIDADE DO JULGAMENTO DO EXTRADITANDO, PORQUE ALEGADAMENTE REALIZADO SOB A ÉGIDE DE REGIME AUTORITÁRIO - INOCORRÊNCIA - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FAIR TRIAL E DE JULGAMENTO POLÍTICO - AFIRMAÇÃO INCONSISTENTE - PRETENDIDA DISCUSSÃO SOBRE A PROVA PENAL PRODUZIDA PERANTE TRIBUNAL DO ESTADO REQUERENTE - INADMISSIBILIDADE - SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA - EXTRADIÇÃO DEFERIDA. INEXISTÊNCIA DE TRATADO DE EXTRADIÇÃO E OFERECIMENTO DE PROMESSA DE RECIPROCIDADE POR PARTE DO ESTADO REQUERENTE. - A inexistência de tratado de extradição não impede a formulação e o eventual atendimento do pleito extradicional, desde que o Estado requerente prometa reciprocidade de tratamento ao Brasil, mediante expediente (Nota Verbal) formalmente transmitido por via diplomática. Doutrina. Precedentes. EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS: PARADIGMA ÉTICO-JURÍDICO CUJA OBSERVÂNCIA CONDICIONA O DEFERIMENTO DO PEDIDO EXTRADICIONAL. - A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro – e, em particular, o Supremo Tribunal Federal – de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro. O extraditando assume, no processo extradicional, a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a que foi dirigido o pedido de extradição (o Brasil, no caso). - O Supremo Tribunal Federal não deve autorizar a extradição, se se demonstrar que o ordenamento jurídico do Estado estrangeiro que a requer não se revela capaz de assegurar, aos réus, em juízo criminal, os direitos básicos que resultam do postulado do due process of law (RTJ 134/56-58 - RTJ 177/485-488), notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. Demonstração, no caso, de que o regime político que informa as instituições do Estado requerente reveste-se de caráter democrático, assegurador das liberdades públicas fundamentais. EXTRADIÇÃO E DUPLA TIPICIDADE. - A possível diversidade formal concernente ao nomen juris das entidades delituosas não atua como causa obstativa da extradição, desde que o fato imputado constitua crime sob a dupla perspectiva dos ordenamentos jurídicos vigentes no Brasil e no Estado estrangeiro que requer a efetivação da medida extradicional. O postulado da dupla tipicidade – por constituir requisito essencial ao atendimento do pedido de extradição – impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente, sendo irrelevante, para esse específico efeito, a eventual variação terminológica registrada nas leis penais em confronto. O que realmente importa, na aferição do postulado da dupla tipicidade, é a presença dos elementos estruturantes do tipo penal (essentialia delicti), tais como definidos nos preceitos primários de incriminação constantes da legislação brasileira e vigentes no ordenamento positivo do Estado requerente, independentemente da designação formal por eles atribuída aos fatos delituosos. PROCESSO EXTRADICIONAL E SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA: INADMISSIBILIDADE DE DISCUSSÃO SOBRE A PROVA PENAL PRODUZIDA PERANTE O TRIBUNAL DO ESTADO REQUERENTE. - A ação de extradição passiva não confere, ao Supremo Tribunal Federal, qualquer poder de indagação sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o contexto probatório em que a postulação extradicional se apóia. - O sistema de contenciosidade limitada, que caracteriza o regime jurídico da extradição passiva no direito positivo brasileiro (RTJ 140/436 - RTJ 160/105 - RTJ 161/409-411 - RTJ 170/746-747 - RTJ 183/42-43), não permite qualquer indagação probatória pertinente ao ilícito criminal cuja persecução, no exterior, justificou o ajuizamento da demanda extradicional perante o Supremo Tribunal Federal. Revelar-se-á excepcionalmente possível, no entanto, a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de aspectos materiais concernentes à própria substância da imputação penal, sempre que tal exame se mostrar indispensável à solução de controvérsia pertinente (a) à ocorrência de prescrição penal, (b) à observância do princípio da dupla tipicidade ou (c) à configuração eventualmente política tanto do delito atribuído ao extraditando quanto das razões que levaram o Estado estrangeiro a requerer a extradição de determinada pessoa ao Governo brasileiro” (Ext nº 897/TC, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 18.2.05 - grifos nossos).
Nesse sentido ainda, o magistério de Mirtô Fraga, para quem,
“ao apreciar a legalidade e a procedência do pedido, o Supremo examina os pressupostos (art. 77) e as condições (art. 78) da extradição. Não se manifesta sobre o mérito do pedido, não aprecia a justiça ou injustiça da condenação ou do processo no Estado requerente (...)” (O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado. 1. ed. Editora Forense, Rio de Janeiro, 1985, p. 336).
Por fim, nos termos da Súmula nº 421 do Supremo Tribunal Federal, “não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro”.
Irrelevante, portanto, para fins de extradição, o fato de o extraditando ter dois filhos brasileiros.
Nesse sentido, Ext. nº 1.074/RFA, Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 13.6.08, de cuja ementa destaco:
“EXISTÊNCIA DE FAMÍLIA BRASILEIRA (UNIÃO ESTÁVEL), NOTADAMENTE DE FILHO COM NACIONALIDADE BRASILEIRA ORIGINÁRIA – SITUAÇÃO QUE NÃO IMPEDE A EXTRADIÇÃO – COMPATIBILIDADE DA SÚMULA 421/STF COM A VIGENTE CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – PEDIDO DE EXTRADIÇÃO DEFERIDO.
- A existência de relações familiares, a comprovação de vínculo conjugal ou a convivência ‘more uxorio’ do extraditando com pessoa de nacionalidade brasileira constituem fatos destituídos de relevância jurídica para efeitos extradicionais, não impedindo, em conseqüência, a efetivação da extradição do súdito estrangeiro. Precedentes.
- Não impede a extradição o fato de o súdito estrangeiro ser casado ou viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira, ainda que com esta possua filho brasileiro.
- A Súmula 421/STF revela-se compatível com a vigente Constituição da República, pois, em tema de cooperação internacional na repressão a atos de criminalidade comum, a existência de vínculos conjugais e/ou familiares com pessoas de nacionalidade brasileira não se qualifica como causa obstativa da extradição. Precedentes.”
Portanto, de acordo com minha compreensão, estão presentes os requisitos legais necessários ao deferimento da extradição.
Ante o exposto, defiro o pedido de extradição.
Na hipótese de eventual condenação do extraditando pelos crimes que motivaram o pedido extradicional, o Estado Requerente deverá efetuar a detração do tempo de prisão ao qual ele tiver sido submetido no Brasil, conforme previsto no art. 91, II, da Lei nº 6.815/80 e no art. 17 do Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul, observando-se, para esse fim, que o extraditando foi preso, preventivamente, em 6 de março de 2015.
É como voto.
*acordão publicado no Dje de 10.9.2015
**nomes suprimidos pelo informativo
Lei nº 13.163, de 9.9.2015 - Modifica a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para instituir o ensino médio nas penitenciárias. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 173, p. 1, em 10.9.2015.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
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O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Informativo 798 do STF - 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2015, 16:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos dos Tribunais/48096/informativo-798-do-stf-2015. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STF - Supremo Tribunal Federal Brasil
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